quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Escroto em Natal - O início de tudo.

Não se vira escroto de uma hora pra outra. É preciso obedecer a todo um procedimento. Um longo procedimento. Ser escroto depende de uma concatenação de atos que devem ser rigorosamente seguido. Se você, homem de Natal, tiver entre 24-30 anos, leia este texto e veja se você fez tudo isso até os seus 15-16 anos. E tenha certeza de que você, hoje, se não tivesse seguido outro rumo, seria o cara mais escroto, entre os escrotos que circulam no meio dos escrotos de todos os escrotos que se acham tão escrotos quanto você seria escroto. De todos os escrotos que estão por aí, você superaria todos eles.


Quando se pula da 4ª para a 5ª serie, há uma mudança radical na escola. A começar pelo próprio nome: não é mais escola, é colégio. Tia vira Professora. Geografia, História, Desenho e Educação Física surgem do nada (não era só português, matemática, estudos sociais e ciências a vida toda não?). Enfim, você entrará no Ginásio. Quando me disseram isso, boboca que sou eu, juro que achei que íamos assistir as aulas dentro da quadra.


É preciso estar preparado para as mudanças e o pequeno escroto sempre estava preparado para elas.


Livros na mão. É a primeira regra. Esqueça a sua mochila da company (que na 4ª serie o pequeno escroto só carregava com uma alça, enquanto os outros andavam segurando em duas alças). Leve os livros na mão. Um caderno só e um livro se alguma professora – gostosa, por favor – pedir. Nada de estojo. Canetona bic azul no bolso. Nada daquelas canetas com 5 cores. Aquilo não é coisa de jovem que um dia quer ser escroto.


Uma vez na 5ª série, procure insistentemente conhecer alguma garota da 6ª série. Se você arrochar (antes era ficar, hoje é pegar, mas, na época, o pequeno escroto nem pegava nem ficava. Ele arrochava) alguma gatinha da 6ª série, toque aqui por que você está indo muito bem. Mas só conhecer já está bom demais, vai te dar moral.


Eu sei, é difícil. A vida colegial tem essas regras. As garotas da 5ª querem os garotos da 6ª, 7ª ou da 8ª. Quanto maior a série, maior a moral da garota. Se não der, fica (garotos arrocham, garotas ficam) com algum da 5ª serie mesmo. Os meninos, por sua vez, têm regra interessante. Na 5ª, arroxam as garotas da 5ª, embora tentem da 6ª (mas só quem pegará é o escroto). Quando estão na 6ª, arroxam as da 6ª e da 5ª. Quando estão na 7ª, arroxam as da 7ª, da 6ª e da 5ª. As da 8ª é quase impossível, pois elas só querem os caras do pré ou do 2º ano ano (E os caras do pré só querem as do 2º ano até a 8ª). É mais ou menos assim que as coisas aconteciam.


A 5ª série, na verdade, é apenas um grande aprendizado para o nosso pequeno escroto. Ele observa o comportamento dos escrotos que estão em graus mais elevados e vê o que deve fazer para se destacar quando chegar o seu momento de assumir o posto de mais escroto da turma. E esse momento chegará na 6ª série, quando ele estiver com 13 anos.


Ao chegar nesta série, o escroto começará a se destacar. Já no primeiro dia de aula aparece com um reebok classic branco, calça da zoomp ou overend e uma carteira nova da sueldo’s, com destaques em dourado, uma corrente de ouro com um crucifixo e uma pulseira dourada (observou direitinho, hein garoto?). Seu caderno já se destaca dos demais por possuir, na capa, um boi caindo e dois vaqueiros derrubando-o, com os dizeres em destaque: “Meu esporte é vaquejada”. Vai longe esse garoto.


E vai mesmo. Para assumir de vez a liderança da escrotagem, o pequeno escroto, conversando com amigos com um pé apenas na parede, encostado, irá assumir o teor da conversa do intervalo com os seus amigos que já tentam também ser tão escroto quanto ele. E se alguém falar alguma besteira, qualquer que seja ela, o escroto diz apenas uma palavra que lhe coloca evidentementente no topo da escrotagem: “SALGA”. E todos os amigos abrem a mão em forma de tapa, sacudindo a cabeça do pombão (pombão é o oposto do escroto). O salga é uma forma de reverência dos pequenos escrotos a quem não for tão escroto quanto eles.


Mas é preciso retomar o teor da conversa: Em pauta, conversas sobre a festa americana que as meninas da sala estão organizando no próximo sábado. Conversam sobre como levar alguma bebida alcoólica para a festa, apesar de ficar acertado que os meninos levariam refrigerante e as meninas, salgadinhos. Por que ser escroto é ser diferente dos demais.


O escroto, de alguma forma, consegue levar o álcool para a festa, que aconteceu na casa de Carol. Carol Mendes, não Carol Lopes. Por que em toda turma de colégio tem mais de uma Carol e é preciso diferenciá-las pelo sobrenome. Lá, cadeiras de um lado, onde ficam as meninas, e do outro lado, mais cadeiras, onde ficam os meninos. Ao centro, uma mesa com os salgadinhos das meninas e encostado em uma das paredes, o Som de última geração (que tocava até CD), onde está tocando as músicas.

E é nesse ponto que o pequeno escroto também começa a mostrar seu talento. Estava tocando Bamdamel, depois tocou Netinho e Banda Beijo, depois algumas garotas pediram New kids On the Block, mas outros rapazes queriam ouvir Chiclete com banana. Diante do impasse, o pequenino escroto toma as rédeas da situação e decreta: “Vai tocar Mel com terra!”. Era o único que queria ouvir forró e sabia dançar também, algo raro para aquela idade entre os garotos da sua turma.

Infelizmente, foi voto vencido nessa discussão. Pois poucos ali têm a visão tão visionária do nível de escrotagem que ele tinha. Um pequeno gênio. É vencido e obrigado a dançar música lenta (Take My Breath Away – música tema de top gun) com uma garota, que acaba arrochando, mas a deixa sozinha na festa, pois diz que tem que ir a outra festa (escroto, desde boy, é cheio de festas para ir), quando na verdade vai encontrar o pai a 2 quarteirões de onde está acontecendo a festa, local em que ele pediu para o pai parar, para ninguém ver que o pai está indo buscá-lo na festa.


Na segunda, o comentário é geral: Bebeu álcool na festa, pediu pra tocar forró, dançou música lenta, arroxou uma garota e ainda deixou-a sozinha na festa, para ir a outra. Amigos, o colégio agora tem uma nova potência em escrotagem. Já na 6ª série, o jovem começa a despertar a atenção dos escrotos da 7 serie e da 8, que já percebem o talento do garoto.

E passam a chamá-lo para ir as festas com eles. Inclusive no vila folia. Amigos, vocês não tem noção do nível de escrotagem que é você ir pro Vila Folia. Por que, nessa época, uma coisa era você sair com amigos no sábado - com um dos pais indo deixar às 4 horas e o outro ir pegar às 9 horas da noite – para o Natal Shopping, andar de escada rolante, comprar bagana na Sweet Sweet Way e lanchar no cupim pão de batata. Outra coisa, bem diferente, é você ter 13 anos, fazer a sexta série e já ir para o vila folia com os caras da 8ª Série. Meu amigo, se você chegou nesse nível, este que aqui escreve é seu fã. E o pequeno escroto chegou. O colégio tem um novo escroto e a sua turma, um novo líder vanguardista.


Ciente TODO o colégio disso, o que acontece a partir daí é apenas uma consolidação do seu status. Meses após meses, o escroto consolida sua escrotagem e chega à oitava série no auge de sua carreira no ginásio.


Já com sua liderança consolidada em matéria de escrotagem, principalmente após contarem no colégio que ele arrochou várias na Disney, no grupo laranja da aerotur, depois de gritar “NO DO MUDOOOO”, dentro do ônibus da Disney, e ouvir gritos histéricos da galera respondendo, é chegado o grande momento de testar o nível da sua escrotagem a nível municipal.


Já líder absoluto em seu colégio, o pequeno escroto se deparará com um novo desafio, uma semana após voltar da Disney: 05 anos do Divina Xama no Mon Jardin. A festa do ano. É sério, cara. O desafio é muito difícil. Lá ele encontrará a nata do epicentro da elite do seleto grupo dos melhores escrotos de todos os colégios de Natal.


O Mon jardim, para quem não sabe (e se não souber, não é escroto), não existe mais. Situado em Capim Macio, nas proximidades do Motel Raru´s (por que esse ponto de referência?!?), tratava-se de uma grande casa que foi transformada, com um palco e um grande jardim. Em todos as sábados haviam festas, que começavam por volta das 16:00 horas e se estendiam até por volta de meia noite. Todo mês a programação era a seguinte: Num sábado, Divina Xama e depois Pagode Moleke. No outro, Pagode Moleke e, depois, Divina Xama. No sábado seguinte, uma banda qualquer pra abrir, depois Divina Xama e, fechando, pagode moleke. No último sábado do mês, pagode moleke, uma banda qualquer e, fechando, Divina Xama. Programação diversificada, como podem ver.

Mas Pagode Moleke e Divina Xama tinham repertórios diversos. Divina Xama tocava Pagode da Amarelinha, alguns sucessos do molejo e depois finalizava com um romântico do art popular. Pagode moleke, por sua vez, abria o show com um romântico do art popular, emendava com um pagode da amarelinha (3 vezes seguidas) e finalizava com os sucessos do molejo.

Mas era legal o Mon jardin. E o pequeno escroto estava preparado para sua primeira ida lá. E logo na maior festa do ano: 05 anos do Divina Xama, com a participação do Pagode Moleke.

O traje devia ser impecável. Bermuda jeans (ou Short mauricinho da overend), sapatilha (ou o reebok classic branco sem meia) e uma camisa ¾ da overend gola canoa, ou uma camisa pólo da brooksfield do pai. No pulso, relógio Bulova ou Tag Heuer trazido da disney e no cangote perfume Lapidu´s. Sublime, espetacular. Só vai dar o jovem escroto de 15 anos de idade.

Já dentro da festa e meio melado por tomar algumas cervejas, o jovem escroto vê que a parada vai ser mais difícil do que ele imaginava. As garotas têm entre 16 e 18 anos e não o conhecem, apesar de ver pelo traje que ele está usando que ele é - ou está tentando parecer que é - algum escroto.

Conversa com alguns amigos, da 7ª série, enquanto toma uma cerveja, mas já ficando visivelmente embriagado. Cambaleia um pouco, mesmo parado, e fica triste por ver que a coisa está ficando mais difícil do que ele pensava. 15 anos, bêbado e na festa só havia garotas mais velhas, que só querem caras do 2º ano ou do pré. Estava difícil.

Mas ele, mesmo bêbado, lembra que o grande trunfo estava em seu bolso. Lá, havia um celular STARTAC da Motorola, que trouxera há uma semana atrás da Disney. Naquela época, meus amigos, poucas pessoas tinham celular. Alguns tinham um PT 130 (Tijolão), outros, mais chiques, tinham um Elite e só seletos tinham um Startac. E, dentre os escrotos que tinham startac, contava-se nos dedos os que tinham um Startac com bateria fina. O do pequeno escroto era exatamente esse: Um Startac e de bateria fina.

Era a senha. Com esse celular ele iria arrochar até as patricinhas que dançavam em frente ao palco de divina Xama fazendo coreografias iguais. Bastava tirá-lo do bolso e ligar para alguém, que todos iriam perceber e, principalmente, olhar para o celular.

Ébrio, sem medir os movimentos, o nosso pequeno, em um golpe rápido, põe a mão no bolso e tira o celular. Disca algum número e, antes de dizer “alô”, cambaleia pra frente, cambaleia pra trás, cambaleia pra frente de novo e dá a ultima cambaleada para trás, caindo estatelado no chão, com os olhos fechados, os quais só abriria no outro dia, sob os carões da sua mãe, que não o deixaria mais beber e nem iria habilitar o celular novo dele, que sequer tinha linha pra falar com alguém.

Escroto se é desde pequeno. Por que não basta ser escroto. Tem que parecer escroto.