domingo, 8 de agosto de 2010

De gols, shoppings e colégios.

Não lembro ao certo o ano. 1995 ou 1996? Por aí. Mas lembro que foi marcante a nova roupagem dada pela Volkswagen ao Gol. Conhecido dos Brasileiros por ser quadrado e com um preço bem acessível, o carro passou a ter feições arredondadas (um verdadeiro marco), um novo tipo de volante, painel mais moderno e outros itens que marcariam, para sempre, o modelo de carro mais popular do país. As alterações foram tantas que, a partir de então, as posteriores mudanças feitas no Gol foram sendo chamadas pela VW de “gerações” (Geração I, Geração II...creio que hoje o Gol está na geração IV).

O que é de moderno, porém, nunca me interessou. Sou um entusiasta da nostalgia. Portanto, é no marco da mudança do Gol quadrado que ficarei. E, voltando no tempo, lembro que essa mudança por algum tempo acresceu um substantivo que ficou bastante conhecido no novo gol: Gol Bola.

Gol Bola era a nova sensação. “Bola”, já disse, por causa do novo formato arredondado do carro. E dá-lhe Gol Bola. Todo mundo queria o Gol Bola. Nos classificados da Tribuna do Norte era uma festa só. Por exemplo: o cara mandava anunciar que tava vendendo um Gol desse jeito:

“Vende-se Gol ano 95. Ar/DH. Bom estado de conservação. 20 mil km. Único dono. Tratar no 222-2310”

(O cara dava o número fixo sem o “3” antes, pois não existia. E também não dava celular pois não tinha. Quem tinha celular era escroto)
Aí tinha outro anúncio logo abaixo:
vende-se GOL BOLA ano 96.

Pronto, matou o cara lá. Bastava dizer que era GOL BOLA que já despertava o interesse de quem estivesse procurando Gol.

O pai do jovem escroto tinha um gol quadrado. Mesmo após, mais ou menos, uns dois anos do lançamento do novo gol bola. E, ainda mais, com um pequeno problema no pára-choque, que teimava em querer cair, apesar de a corda nele amarrada (claramente visível a todos) dar-lhe sustentação. A corda era o xodó do pequeno escroto: “Papai, espero que o senhor fique com essa corda no para choque para sempre, pois é o nosso diferencial. Vejo todos os carros por aí com para choques comuns e apenas o nosso tem essa corda charmosa. Gostei”.

O gol quadrado, na verdade, era a grande paixão daquele jovem. Enquanto todos os pais dos seus colegas compravam Gols Bola ou outros carros mais modernos, o pai dele continuava com aquele carro. Para uns, estava se tornando obsoleto. Para o nosso herói, estava se tornando cada dia mais charmoso.
Pena que o pensamento do jovem – guerreiro, heróico, valente, destemido – não era por todos compartilhado. E isso gerava alguns problemas. O maior deles é o que valeu o motivo deste escrito, que passo agora a relatar.
É que tanto ele como sua querida irmã estudavam no mesmo colégio. E no mesmo horário. E não moravam perto do colégio. Conseguem perceber a conseqüência disso? É fácil: se moram longe, estudam juntos no mesmo local e no mesmo horário, uma única pessoa terá que deixá-los diariamente no colégio. E isso era tarefa para o pai do nosso jovem escroto, a bordo do seu Gol quadrado com corda no pára-choque.
Seria assim todos os dias. Mas vale relatar o primeiro dia de aula do ano, em que o movimento é intenso nos colégios. A bordo do seu Gol quadrado, o pai do jovem parte de casa, para deixar ele e a irmã na escola, escutando a paródia de “Singing in the rain” que a 96 FM fez na época:

“É bom acordar
Já passam das seis
Vou levantar e me ligar
Na noventa e seis
Tomar o café
Curtindo esse som
Ligado na noventa e seis
Vou ter um dia booom”


No banco da frente, está o pai dirigindo e o filho ao seu lado olhando para o vento com um sorrisão na cara. No banco de trás está a irmã, bonita, charmosa e também vaidosa. Está preparando a maquiagem para chegar. A viagem prossegue até a escola, o CEI. Quando está próximo do Shopping Via direta ouve-se a voz da irmã:

“Pare aqui, papai!”.
“Aqui, minha filha? Mas o colégio é lá embaixo.”
perguntou o pai sem entender.
“Mas eu quero ficar aqui, daqui eu vou andando pra lá”.
“Então tá bom. É até melhor que daqui eu pego reto e vou pro trabalho.

Desconfiando que sua irmã estava, na verdade, buscando desvencilhar a imagem dela do gol quadrado, e, diante da aquiescência do pai em deixá-los ali no Via Direta (o que para ele seria terrível, pois ninguém o veria chegando no gol quadrado com corda no para choque), o jovem bradou alto e bateu o pé:

“Não, não e não, papai. O senhor vai deixar agente na escola e é lá embaixo. Aqui no Via Direta, NÃO!”
“Vai sim” – interferiu a irmã – “vamos ficar aqui no shopping sim”
“Não vamos não”
“Vamos sim!”

E começou aquela briga em frente ao Via direta, com a irmã querendo descer e o jovem querendo seguir. E não chegavam a um consenso e pegue briga, até que o pai tomou uma decisão. “Ela desce aqui no Via Direta e eu deixo você lá embaixo”. Ótimo! Chegaram a um acordo.

Eis que a irmã desce do carro e o irmão, na esquina, ainda consegue vê-la dando um ajuste na maquiagem. Até que o pai vai descendo a grande ladeira que leva até o CEI, enquanto o jovem, mais feliz do que pinto em merda, vai na janela do carro fazendo questão de falar com todo mundo que está do lado de fora. Dava pra ver carrões importados, carros de luxo, caminhonetas e até Gols Bolas, todos deixando os filhos. “Mas gol quadrado é só o do meu paizão. E com corda no pára-choque” pensava ele com um orgulho que só ele sabia.

Até que o pai para na esquina do colégio. “Não senhor, quero que você me deixe exatamente na frente da escola, naquelas escadarias”. E o pai anda mais um pouquinho e deixa o filhão em frente à escola. Ele desce vagarosamente do gol quadrado certificando-se de que todo mundo estava vendo-o chegar. E estavam mesmo. Todos viram.

Era isso que ele queria. E conseguiu. Desceu orgulhosamente do gol quadrado do pai, com uma charmosa corda no para choque, e o colégio inteiro o viu chegar. Alguns meio cansados, outros tristes pela volta as aulas, mas ele era o cara mais feliz da história naquele momento.

E assim se seguiu durante uma semana inteira. Até que o pai aparece em casa, no sábado, com um carrão do ano com todos os acessórios possíveis e imagináveis. O novo possante era digno das capas de revista 4 rodas dessas que a revista faz: TESTAMOS O NOVO (MODELO DO CARRO). SUCESSO TOTAL.

O novo possante foi comprado. E o gol quadrado foi vendido. E desse dia em diante, as coisas ficaram muito comuns e ele tomou uma decisão: "Quem fica no Via Direta agora sou eu!"