quinta-feira, 23 de julho de 2009

De Capital e de Interior.

Tem gente que adora interior. E outros não, pois gostam da capital. Há, em sentido contrário, alguns que não gostam da capital, preferem a vida no interior. E, também, há os que não conhecem o interior no seu dia-a-dia, estão fartos de viver na capital e querem se mudar para o interior. É o caso do jovem de hoje.

Aprovado em concurso para delegado da polícia civil da Paraíba, o rapaz conseguiu, enfim, se mudar da rotina atrabalhoada (neologismo) da capital potiguar para ir morar no sertão paraibano. “Além de realizar meu sonho de ser delegado, poderei agora viver a experiência de morar no interior, respirando o puro ar interiorano e ver os pássaros gorjearem ao alvorecer”, explicou-me, em tom poético, o nobre amigo.

Mas poética mesma era a visão do amigo da vida interiorana. Acostumado apenas a ir a festas esporádicas, passando apenas 01 ou 02 dias numa cidade pequena, onde se acostumou a deitar e rolar, o jovem há muito havia se decidido: “quero morar no interior”.

A vida no interior é, de fato, muito boa. Acreditem, sei do que estou falando.

Mas para quem viveu uma vida inteira na capital, a adaptação não é tão fácil. Praças de alimentação de Shopping Centers viram traillers ou barracos. Carros nas ruas, dos quais ele estava de saco cheio, perdem duas rodas e viram motos que parecem se proliferar aos milhares. O Hospital, que era bem próximo à sua casa para qualquer urgência, parece que se locomoveu para centenas de quilômetros onde estava. Atropelar gatinhos em avenidas movimentadas vira brincadeira de menino quando se dá de frente com um boi na pequena rua em que você está.

Que não soe como nenhuma crítica o que estou dizendo aqui. Quero afirmar, apenas, que as coisas são bastante diferentes quando se vive uma vida inteira na capital e se muda tão de repente para o interior. E da mesma forma, frise-se, o interiorano não se acostuma fácil com a vida numa grande capital.

É mais ou menos por aí.
Aliás, sou fã do povo do interior, de onde se tira as suas grandes riquezas. Povo altamente hospitaleiro, acolhedor, amigável, carinhoso, solícito e sempre de bom humor. Aliás, nem sempre. Há um mito que diz ser o povo interiorano de temperamento forte, grosso, e demais adjetivos. Não é totalmente correta essa informação. O que acontece é que os interioranos, principalmente os mais vividos, são muito inteligentes e têm larga bagagem de vida. Na verdade, eles não são grossos, apenas não têm paciência com perguntas inúteis.

Essa pequena passagem que falei aqui, foi apenas para tentar mostrar um pouco como são as coisas. Mostrar para você que talvez não saiba e também dar uma ideia do que são as coisas que o jovem, nosso personagem de hoje, nunca soube antes de ir para o interior.

Não sabia, principalmente, sobre essa personalidade temperamental de alguns interioranos.

E foi aí que o bixo pegou. O jovem, bastante conhecido pela sua educação com todo mundo, passou por poucas e boas por não saber esse detalhe.
A começar pela viagem, né?
Imagine o jovem indo, sozinho, para uma cidade desconhecida, cujo caminho mal sabe direito, indo se apresentar como a maior autoridade policial? Com certeza vai se perder na estrada ou então terá que pedir muitas informações para poder chegar na cidade.

Dito e feito.

Após mais de 09 horas de viagem (em situações normais, viajando de carro, duraria pouco mais de 04 horas) o jovem viu uma placa indicando que faltavam poucos quilômetros para o destino.

Ainda meio desconfiado, resolveu perguntar a um senhor, que fumava um cachimbo
sentado numa cadeira de balanço, usando um chapéu preto de couro, numa calçada qualquer de uma cidadezinha pequena dessas que ao lado tem a igreja, do outro a praça, mais à frente a prefeitura e se acaba a cidade:

- Meu senhor, por favor, poderia me dar uma informação? – perguntou o jovem ao encostar o carro na calçada e descer o vidro do passageiro do carro.
- Heeeeinnn??? – perguntou o velho senhor, se levantando da cadeira vagarosamente da cadeira e mais lento ainda caminhando em direção ao carro.
- Gostaria de uma informação... – repetiu
- Diga
- Meu senhor, essa estrada aqui vai para a cidade tal? – perguntou o jovem apontando para a estrada.
- Essa aqui? – perguntou o velho
- Sim...
- Meu filho, sinceramente, eu não sei. Mas vou dizer uma coisa a você que é jovem e não deve conhecer a região – continuou o senhor, olhando para o rapaz - Faz 78 anos que eu moro aqui e se essa estrada for pra onde você tá dizendo, ela vai fazer uma falta danada, por que só tem ela aqui na região!
Tome a primeira!
Entendendo o tom irônico da resposta, o jovem sabia que aquela estrada o levaria para seu destino e seguiu viagem.

Ao chegar lá e passar, na entrada da cidade, por alguma estátua de algum bicho que caracteriza a cidade, algum santo padroeiro da cidade ou de algum influente político que lá morou (tem muito isso, né não? Prestem atenção direitinho...), o jovem, enfim, chega ao seu destino.
Morto de fome da cansativa viagem que fez, o jovem procura logo algum restaurante (a cidade é mediana, tem restaurantes pequenos) para matar a fome e encontra o “Restaurante do Claudiomiro – Frango e carne assada à vontade” logo na entrada.

Educado como ele só, buscou se informar como trabalhava o restaurante e perguntou ao dono, um senhor barrigudo de camisa regata, com um pano no ombro direito e um pedaço de palha no canto da boca:

- Amigo, como é que funciona aqui? Pode colocar comida à vontade no prato e vocês servem a carne?
[ Leitores, muito cuidado com o que vocês querem saber por aí. Uma pergunta dessa é apenas a deixa para uma resposta típica de quem não tem paciência. E já falei no começo que nem todo mundo tem paciência no interior com perguntas inúteis]
Eis que o dono do restaurante olha pro rapaz, pensa um pouco e responde de bate pronto:
- Não, senhor. Aqui agente coloca a comida dentro daquele chapéu ali que aquele rapaz ta usando (era o gordinho da nelore, tomando uma lá fora, num carro rebaixado, com um amigo) e a carne vem junta, o prato é só de enfeite, mas se você quiser, pode jogar por aí quando sair daqui.
Tome a segunda!
Depois de almoçar caladinho, o jovem saiu de lá com uma difícil missão de encontrar a delegacia onde ia trabalhar já no outro dia. Difícil, isso mesmo. Por que em cidades como a que o rapaz iria trabalhar, delegacia é artigo de luxo. E, quando existe, fica dentro de algum prédio da prefeitura ou em alguma sala de aula de escola quando não está havendo aula.

No caminho, parou para ver uma loja que vendia roupa, pois tinha trazido pouca. Encontrou uma loja, ficou olhando na vitrine e viu as roupas lá dentro. Eis que o vendedor veio até à frente da loja para falar com ele e perguntou:

- Vende o que aí? – perguntou o jovem
O vendedor olhou para o rapaz com cara de quem desconfiava que aquele jovem estava tirando com ele, apesar de não saber que ele estava perguntando sério. Respondeu de bate pronto.
- Amigo, dá pra ver que tem calças, camisas, bermudas, artigos masculinos em geral. Mas lhe confesso que nossa especialidade é vender melancia, ratoeiras, patinetes e pogobols. Tem preferência por bambolês? Temos de todas as cores.
Tome a terceira!
Já no clima e tendo idéia de como são as coisas, chega o jovem à delegacia, seu local de trabalho. Bate à porta e abre o Capitão Sylmar, que estava apenas esperando o novo delegado chegar para por ir para outra cidade, para onde havia sido promovido.

- Diga!!! – disse o capitão com por volta de seus quarenta anos, farda da polícia militar, 38 na cintura e um bigodão que impunha respeito. À sua frente estava o jovem, franzino, com uma calça toda estampada tipo aquelas dos cantores de calcinha preta, vestindo uma camisa preta justa na manga com os dizeres “WOLFGANG: THE PROJECT” (Hehehehe, gostaram hein?) .

- Opa, boa tarde. Aqui é da delegacia?
- Não, boy – respondeu o capitão – é o cinema da cidade. Entre aí pragente assistir Titanic. (tome)
- Ei – já começando a ficar brabinho com tanta reiada que levou – fale direito comigo que eu sou o novo delgado aqui.
- Opa, doutor! Me desculpe! È fulano né?
- Isso
- Me desculpe, é por que vez por outra aparece um aqui querendo fazer graça, mas entre aí.

E o jovem entra no seu novo local de trabalho, que não á lá dos melhores, e seguindo as instruções do capitão, conhece onde estão os papéis, os telefones da secretaria, as armas, a viatura, tudo. Mostra, também, as celas onde estão os presos. Além de alguns conselhos que ele dá ao novo colega.

- Doutor, aqui tem que botar moral mesmo, senão tentam passar por cima de você. Tem que mostrar quem manda mesmo. Me desculpe estar dizendo isso para o senhor é que...

O capitão é interrompido por um toque do telefone.

- Alô? – atende o capitão
- Da onde fala? – pergunta uma voz dum homem do outro lado da linha.
- Da delegacia – responde
- Delegado – continua o homem – eu acho que tem um ladrão aqui! Eu acho que tem um ladrão!
- Um ladrão?
- Isso, delegado, um ladrão!
- Pois meu amigo, saiba de uma coisa, aqui onde eu to tem mais de 10 ladrões e eu num ando ligando pra ninguém perturbando.

PÁ!! Desliga o telefone e olha pro jovem, que tenta parecer firme mas está um tanto quanto assustado com a situação.
- Sim, como eu ia dizendo...

E pegue o capitão dar conselho ao jovem de como é a vida na cidade, como é o trabalho, tudo. Conversam por uma hora, até que o capitão diz que é hora de ir embora e se despede do jovem delegado, a quem deseja boa sorte.

Já eram 8 horas da noite e o jovem sequer tinha uma pousada para dormir. Mas resolveu, antes de ir para a pousada, ir para algum forró cujo cartaz viu na estrada. Era quinta feira e o forró, ao que leu, parecia ser bom.

- É pra lá que eu vou! – disse pra si mesmo.

Parou um carro para peguntar onde era o “Forró da Fuleragem”, nome do forró.

- Cidadão – abordou um homem na rua, para perguntar, baixando o vidro do carro – você sabe como eu chego no “Forró da Fuleragem”?
- Muito fácil – disse o homem – ta vendo a igreja coração de Jesus ali na frente? Pronto, vá reto, dobre na Rua São Judas, três ruas depois entre na São Batista, passe o convento Padre Nunes, dobre a direita na Rua São Cosme...
Eis que o jovem interrompe:
- Ei meu amigo, diga logo onde é isso aí que eu quero ir pruma fuleragem, num é pro céu não.
- Não, é ali mesmo. Faça isso aí que eu disse.
E lá foi o jovem.
Chegou lá na festa, fez o que pessoal?
Não, carteirada não. Ele ainda sequer tinha a carteira. To perguntando dentro da festa...
Isso mesmo! Chamou o garçom:
- Bote uma mesa próximo ao palco, com um litro de whisky e gelo em cima dela.
E por ali ficou, sozinho, na moral, e curtindo a festa sozinho.

Inquietante, para ele, era apenas uma jovem bonita que não parava de lhe olhar. Ele olhava para o palco e quando desviava o olhar, ela estava olhando pra ele, ora apenas olhando, ora olhando e comentando algo com amigas.
Depois de algumas doses de whisky e algumas olhadas fixas, a garota resolveu chegar no jovem e foi logo perguntando:

- Ei, você é o delegado novo daqui né? Passei hoje perto da delegacia e vi você por ali.
- Que horas são? – perguntou o jovem à garota
- Hã?? – não entendeu a garota - por que você quer saber? Responda minha pergunta..
- Diga que horas são, moça! – repetiu
- Ta bom, são 1 e meia da manhã.
- Pois é, até as 6 da noite eu era isso aí que você ta dizendo e meu nome é Dr. Tiago. Passou dessa hora, como agora, eu sou o TIAGÃO DAS QUEBRADAS. Cadê a turma?


Tiago é só nome fictício, viu?? hehehehe



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